As ‘telinhas’: nova forma de abuso infantil?

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Serão as onipresentes ‘telinhas’ uma nova forma de abuso infantil?

A avassaladora invasão do digital sobre a vida de cada dia vai aos poucos revelando tristes consequências. É preciso estudá-las com seriedade, e procurar, por todos os meios, evitá-las.

E isso sobretudo no tocante a crianças e adolescentes.

Com efeito, se mesmo adultos confessam uma atração quase irresistível pelo mundo digital – com prejuízo até de suas obrigações – o que dizer dos pequenos em desenvolvimento?

Já o bom senso previa que a revolução digital iria afetar negativamente a educação das novas gerações. Mas a propaganda fez pouco caso. E agora é a ciência que se bate com novos gêneros de problemas.

Oferecemos abaixo a tradução de um artigo sobre o tema, publicado pelo site de Avenir de la Culture.

Telas: uma nova forma de maus tratos

Nathalie Burckhardt

Diante da onipresença crescente das telas em nossa vida cotidiana, e em particular na dos mais jovens, o doutor em neurociências e pesquisador no Centro Nacional de Pesquisas Científicas [CNRS, na sigla em francês] Michel Desmurget faz soar o alarme em um artigo de opinião no jornal Le Figaro.

“No que diz respeito às crianças, a exposição precoce às telas é um desastre absoluto. Primeiramente porque, quanto mais cedo a criança é exposta, mais tem chance de se tornar, ulteriormente, um usuário compulsivo.

“Em segundo lugar, desde um uso de 15 a 30 minutos por dia, os estudos revelam efeitos negativos consideráveis sobre o desenvolvimento da inteligência, da linguagem, da atenção ou o risco de obesidade. (…)

O aprendizado e o ‘fator humano’

“O cérebro dos pequenos não é feito para as telas”, denuncia ele.

Com efeito, “para aprender, nossos neurônios têm necessidade do fator humano, no sentido de que eles reagem muito mais intensamente a uma presença humana efetiva que a uma presença humana por vídeo.

“Nossos neurônios precisam também de ‘tranquilidade’; eles não são capazes de sofrer o bombardeamento sensorial intenso dos fluxos informáticos atuais, sem com isso se verem profundamente prejudicados”.

Ora, alarma-se ele, “os tempos de uso das jovens gerações, considerados todos os meios digitais, não são apenas excessivos; são extravagantes: quase 3 horas cotidianas aos 2 anos de idade, 5 horas aos 8 anos e 7 na adolescência!”.

Nova forma de abuso: as pesquisas demonstram

Michel Desmurget é taxativo: “A quase totalidade das pesquisas rigorosamente conduzidas demonstram um efeito negativo do uso digital recreativo sobre o sucesso escolar; nenhuma delas mostra efeitos positivos.

“Por exemplo, em vários estudos ofereceu-se acesso digital a crianças que não o tinham. Em todos os casos, isso resultou numa queda de rendimentos escolares, notadamente porque o acesso digital roubava tempo de outras atividades mais saudáveis (…): leitura, tarefas, sono, atividade física, etc.”.

De onde o risco, para as gerações mais jovens, de “um declínio sem precedentes das aptidões linguísticas, de concentração, de reflexão e de memorização”.

O papel indispensável dos pais

Uma das soluções apresentadas: “o uso digital deveria ser enquadrado dentro do domínio da liberdade educativa dos pais (…), sobretudo se considerarmos que um uso de 3 horas diárias de tela para crianças de 2, 3 ou 4 anos avizinha-se a uma forma de maus tratos sobre o desenvolvimento infantil”.

Porém, conclui ele, “para que os pais possam realmente exercer sua liberdade educativa, seria necessário que a informação oferecida ao público fosse sincera e completa. E estamos muito distantes disso! (…)

“Aí se encontra, penso eu, uma real dificuldade para as nossas democracias, pois que as pessoas não podem agir de maneira esclarecida a não ser que sejam informadas correta e honestamente”.


O verdadeiro progresso nunca deve passar por cima da dignidade do homem. Na medida em que a revolução digital que presenciamos transponha esses limites, deve soar para nós o alarme.

Não estaremos sendo conduzidos para onde não queremos ir? E amarrados não mais com pesadas correntes, mas com suaves e irresistíveis liames?

Protejamo-nos dessa escravidão. E protejamos nossas crianças dos maus tratos digitais, aparentemente tão inofensivos…

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