A santidade não tem idade – II

A santidade não tem idade. O Criador nos chama, desde a mais tenra idade, a seguir pelo caminho estreito que conduz ao Céu.

Nosso Senhor disse ao sábio Nicodemos: “O espírito sopra onde quer, ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai”. Como Nicodemos, não compreendemos de início a profundidade do ensinamento.

Porém, ao nos depararmos com certos testemunhos de vida, logo concluímos: aqui está o dedo de Deus, a nos indicar os rumos para a verdadeira Luz!

A vida dos santos é sempre marcada pelo heroismo. Aliás, constatar a heroicidade das virtudes de um servo de Deus é a própria essência de um processo de canonização.

A santidade não tem idade

Se essa marca é própria a todos os santos, será entretanto mais saliente quanto menor for a idade. Ver uma criança débil suportar com valentia um sofrimento marca-nos mais do que admirar um adulto fazendo o mesmo.

Já nos ocupamos de um exemplo comovedor disso, em um post de 2019. Nele, contamos a saga de um menino italiano, Manuel Foderà, falecido em 2010 após longo e doloroso câncer.

Neste post, oferecemos a nossos leitores algumas notas biográficas[1] sobre uma menina francesa cujo processo de beatificação será solenemente aberto no próximo dia 12 de setembro, festa do Santíssimo Nome de Maria.

O bispo da diocese de Fréjus-Toulon (sul da França), Mons. Dominique Rey, afirmou que a menina é “um modelo de santidade para as crianças enfermas e suas famílias”.

O modo de enfrentar a doença– um agressivo câncer nos ossos – com base no amor a Nosso Senhor crucificado, a intenção de parecer-se a Santa Teresinha do Menino Jesus e o desejo de receber a Santa Comunhão marcaram sua vida.

Esperamos que este exemplo possa nos animar a todos no caminho da santidade!

Sensibilidade pelo sofrimento do próximo

A santidade não tem idade

Anne Gabrielle era a mais velha de três irmãos. Tão logo aprendeu a falar, e que nela se percebeu o uso da razão, chamava a atenção pela sensibilidade que tinha pelo sofrimento do próximo.

Com apenas dois anos, comprazia-se em consolar a Cristo crucificado. Tempos depois, surpreendeu a seus professores por querer ir sempre ao encontro das crianças que vagavam sozinhas pelo pátio da escola.

O sofrimento que admirava no Crucificado era o que mais tarde marcaria o resto de sua vida. Aos seis anos, começou a sentir uma forte dor em uma das pernas. Aos sete, foi diagnosticado câncer com metástase.

Os tratamentos, o avanço e recuo da doença foram marcando seus dias, em que Jesus era o centro. Sua fé e discernimento não pareciam próprios à idade.

O duro tratamento que recebeu no início da enfermidade – tinha acabado de completar sete anos – fez-lhe perguntar-se a si mesma por que Deus a tinha escolhido para essa prova.

O Padre Dubrule acompanhou-a em todo esse processo, e lhe fez entender que não havia uma resposta clara para essa pergunta, mas que ela poderia, isso sim, dar um sentido a seus sofrimentos, oferecendo-os por diversas intenções.

Essa conversa marcou profundamente a pequena Anne, que passou a impregnar desse sentido seu dia-a-dia. Para o Pe. Dubrule, ela iniciou aí sua própria via de santidade.

“Por que me escolheu, logo a mim?”

“Minha filha me mostrou o caminho do céu”, relatou Marie-Dauphine Caron. Explicava que “a perda de um filho é terrível, ver o sofrimento de uma criança é também terrível, porque a gente se sente impotente”.

Apesar disso, tinha claro que o sofrimento da filha se convertera numa obra de amor em meio a um mundo hedonista.

“Por que Deus me escolheu para isso?”, perguntava-se a pequena, quando a dor lhe apertava. Contudo, rapidamente respondia: “estou disposta a aceitá-lo”.

Ela mesma afirmava que oferecia todo aquele sofrimento da quimioterapia que a consumia pelas demais crianças do hospital e pelos médicos.

Sua mãe relatou numerosos momentos durante a doença da filha que deixavam entrever esta fama de santidade que se espalhou, uma vez falecida. “Embora não goste de estar doente, tenho sorte porque posso ajudar o bom Deus a levar as pessoas de volta para Ele; quero ajudar aos que sofrem”, dizia Anne.

De fato, cinco meses antes de morrer confessou uma coisa a sua mãe, que a deixou completamente estupefata. “Eu pedi a Deus que me dê todos os sofrimentos das crianças do hospital”. E Deus efetivamente lhos deu, pois em vários momentos dizia a sua mãe: “e estou sofrendo tanto…”.

Santa Teresinha era seu modelo

Para a pequena Anne Gabrielle Caron, seu modelo era Santa Teresa de Lisieux, a quem desejava imitar em sua vida. Uma santa que, por sua vez, também sofreu muito em uma curta existência. E tinha tal confiança em Deus que, apesar do sofrimento, afirmava com alegria: “Serei santa”.

A santidade não tem idade
Anne-Gabrielle no hospital

Outra confissão feita pela menina, que emocionou profundamente sua mãe: “Sabe, mamãe, às vezes penso que, quando eu estiver morta, já não será difícil para mim portar-me bem. Já não será difícil ser agradável com as pessoas, pensar nos demais, obedecer e pintar com os irmãos”.

Nessa luta, porém, nem tudo era aceitação total. A dor provocada pelo câncer levava-a a pôr tudo em dúvida. “Preciso que alguém me diga que Deus é realmente bom”, chegou a afirmar. “Quando vejo que tão poucas pessoas creem em Deus, me pergunto se Ele realmente existe”.

Entretanto, rapidamente voltava a abraçar-se a seu “querido Jesus”.

Seu amor pela Eucaristia

Se houve algo que marcou a parte final da vida de Anne Gabrielle Caron, foi seu enorme desejo da Eucaristia, coroado aliás por sua Primeira Comunhão. Um autêntico acontecimento, dadas as circunstâncias.

Durante meses, já enferma, a pequena se preparou para receber a Jesus Sacramentado. Em março de 2009, dizia: “eu gostaria de fazer minha primeira comunhão, para poder fazer ainda mais sacrifícios”.

Algumas semanas depois, seu único assunto passou a ser a comunhão. Nem mais a festa, nem os presentes respectivos importavam.

Em maio, dizia a sua mãe: “Quero receber a Jesus. A senhora se dá conta que Ele vai entrar em meu coração? Já não posso esperar”.

Sua mãe logo lhe perguntou se ela estava assim porque ia estrear seu vestido branco e uma bonita coroa de flores. Porém, Anne-Gabrielle respondeu: “Ó, mamãe, é claro que isso me fará feliz. Mas o que realmente me contenta é que vou receber a Jesus”.

A prova de sua Primeira Comunhão

Contudo, também aqui viveu uma dura prova.

Sua comunhão seria em 7 de junho, mas dois dias antes seu estado de saúde piorou por causa da doença, pelo que teve ser levada ao hospital.

Ela entrevia que não conseguiria sair dali para receber a comunhão: “Por que, por que o bom Senhor permite isso? Tinha pedido à Virgem que não voltasse ao hospital. Por quê? Tinha tanta vontade de fazer minha primeira comunhão!”, dizia entre lágrimas.

Pediu então a sua mãe que rezasse à Virgem para que dispusesse tudo de maneira que pudesse sair do hospital a tempo de receber sua primeira comunhão. Estava hospitalizada na cidade de Marselha.

A todo mundo com quem cruzava, pelos corredores do hospital, pedia que rezasse nessa intenção.

Finalmente, como por milagre, todos os exames médicos iam se concluindo rapidamente, e seu próprio estado de saúde foi melhorando.

Correndo contra o tempo

No domingo pela manhã lhe deram alta, mas era quase impossível chegar em tempo à igreja de Toulon.

Quando atingiram a autoestrada, eram já 11 da manhã, e a missa já tinha começado. Seu pai dirigiu o mais rápido que pôde, e juntos rezavam à Santíssima Virgem para que os ajudasse a chegar a tempo.

À medida que avançavam, recitavam também as orações de preparação para a comunhão. Acreditavam que poderiam chegar, esperando contra toda esperança.

Porém, ao chegar a Toulon, depararam-se com um engarrafamento. Seu pai começou a tentar convencer-lhe a resignar-se de que não poderia fazer primeira comunhão.

Mas mesmo assim continuou conduzindo em direção à igreja, e vinte minutos depois chegaram. A missa acabava de encerrar-se e as crianças se preparavam para a procissão de saída.

“Ver a Anne Gabrielle foi como ver a Deus”

A santidade não tem idade
Primeira comunhão de Anne Gabrielle Caron

Anne-Gabrielle entrou chorando na igreja, com seu vestido branco.

De repente, o coro parou de cantar, e o sacerdote decidiu que ela faria sua primeira comunhão nesse momento, em presença de toda a paróquia. Cumpria assim o grande desejo de sua vida!

Quando recebeu a Jesus Hóstia, fez-se um grande silêncio em toda a igreja. Os fiéis ficaram fascinados pelo grau de compenetração dessa menina, e comovidos pelo encontro entre Deus e essa alma que com tanto ardor O tinha desejado.

O próprio sacerdote dará testemunho da emoção que sentiu: “Nunca vi ninguém como ela. Para meu coração sacerdotal, continua a ser um momento muito comovedor”.

A morte e a chuva de graças

Quando a saúde piorou e a morte se aproximava, o próprio bispo Mons. Rey comparecia em sua casa para dar-lhe a comunhão.

Nas últimas semanas, viveu sua própria Paixão, até que, depois de 30 horas de agonia, faleceu no dia 23 de julho de 2010. “Ver Anne-Gabrielle foi ver a Deus”, disse o sacerdote durante o funeral.

Anos depois de sua morte, sua mãe vê com clareza: “Tudo é graça”. A menina ensinou sua família e todos os próximos a viver o presente, “o dia de Deus”, e a ser feliz com as coisas as mais simples.

Desde então, são numerosas, e procedentes de todo o mundo, as comunicações de graças recebidas pela família e pelos sacerdotes que conduzem a causa de beatificação.

Seu testemunho percorreu o mundo, e seu exemplo ajudou numerosas famílias golpeadas pela enfermidade, tanto às crianças quanto a seus pais.


Não podemos nos adiantar ao juízo da Santa Igreja. O futuro dirá se a pequena Anne-Gabrielle será ou não elevada à honra dos altares.

Seja como for, seu exemplo – de aceitação dos sofrimentos enviados por Deus e de caridade para com o próximo – pode desde já nos animar a praticarmos essas virtudes.

Virtudes, como tantas, hoje tão esquecidas e até ridicularizadas.

[1] Artigo de Javier Lozano, em religionenlibertad.com.

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